OBS.
Esta observação deveria estar presente desde o primeiro relatório do pedal. Na verdade é um pedido de desculpas antecipado e uma justificativa pelos prováveis erros de português nos relatos aqui escritos. A questão é que a missão de escrever na flor dos acontecimentos e revisar se torna praticamente impossível. Então, cara ou caro leitor, tenha compaixão.
Dormimos em San Sebastían (Chile), na Hosteria La Fronteira. O dono era bem enfezado. O lugarzinho nos fazia lembrar uma cidade fantasma, mas foi o que conseguimos naquele final de tarde, já exaustos de pedalar na estrada "casca grossa (posteriormente soubemos que na aduana argentina, 15 km adiante, aproximadamente, havia uma outra hosteria que aparentava ser melhor). A energia desse lugarejo era ligada às 18h, via gerador, portanto só podíamos tomar banho (água quente) a partir desse horário. Internet só as 20h, no restaurante, mas fechava as 22h, junto com o lugar. Bem, ao menos tivemos um quarto quentinho e uma cama razoável (um quarto com duas beliches ), mas era tudo do que precisávamos. Tivemos uma confortável noite.
Apesar de alguns deleites como vinhos e cama quentinha, além das coisas maravilhosas que víamos, essa vida de aventura ciclística o cotidiano é muito duro. Nos acampamentos e nas pousadas, tínhamos que, interminavelmente, montar e desmontar as bagagens das bikes, dormir sentindo frio, comer purê de batata com sardinha vários dias, acordar cedo e pedalar, fazer comida e pedalar, dormir para descansar e pedalar.
Naquele dia acordamos bem cedo para arrumar as coisas, tomar o café no La Fronteira (literalmente café sem leite e dois pedaços de pão) e pedalar 100 km até a cidade Argentina, Rio Grande. Nossos demais companheiros estavam lá nos esperando (Nilo, Arestides, Chico e Paulo).
Depois que passamos na aduana (saindo do Chile e entrando na Argentina), tivemos pela frente mais uns 20 km de ripio e depois foi o asfalto. O dia estava bom, sem vento, pouco frio e até um sol para nos alegrar.
Pegamos o asfalto e demos um pau legal. A nossa pegada girava em torno de 20 a 25km/h (lembre-se que estávamos em montain bike e não em speed, que estávamos com uma carga aproximada de 35kg e que havia muitas subidas!).
A chegada à Rio Branco foi emocionante porque estávamos revendo o Oceano Atlântico (estávamos mais em contato com o Pacífico). Além desse aspecto mais simbólico para gente havia também a beleza mesmo do trecho. Subidas encurvadas e ao lado despenhadeiros que davam para a imensidão do azul marinho. O cheiro do mar, o sal no rosto e os contrastes anis. Tudo isso junto que a iminência de reencontrar os parceiros, dava um gosto especial e uma certa ansiedade ao pedal. Acho que, por isso tudo, a pegada do pedal foi forte.
Entramos na cidade e não sabíamos onde os caras estavam hospedados. Procuramos um local que tivesse acesso à internet para ver as possíveis mensagens que eles haviam enviado ao nosso grupo no WhatsApp (adotamos esse procedimento para nos comunicar em situações como essas). Ao encontramos um posto que tinha Wi-Fi, pegamos a mensagem (com o endereço do Hostel) que Nilo havia postado.
No caminho percebemos que a cidade era animada e pareceria haver uma festa (talvez patriótica, pois Rio Grande foi a principal cidade base na guerra contra a Inglaterra por causa das Ilhas Malvinas)
Chegamos e encontramos a galera. Abraços e saudações. Passamos a organizar os próximos trajetos e nos inteirar como havia sido os dias para os dois grupos.
Anunciamos que "quebraríamos" a viagem até Ushuaia em três dias, fazendo mais dois acampamentos no caminho e tornando-a menos pesada. Paulo e Nilo se animaram. Arestides declinou e Chico "bateu martelo" que seguiria a decisão do amigo. Os dois tinham resolvido pegar um ônibus e nos aguardar em Ushuaia.
Esta situação de não termos os oito pedalando juntos, principalmente nos trechos finais, abalou, cada um.
de modo diferente (e também pelo planejamento, para os oito, não ter saído como havia se imaginado).
Arestides, que é o nosso parceiro de 73 anos, o nosso orgulho maior, sentiu dificuldades em pedalar com a bike carregada (certamente mais de 20kg de bagagem ele carregava). Arestides havia tentado duas vezes (ida a Taip Aike e Morro Chico) e não estava se sentido bem por supor que poderia estar atrapalhando os demais.
Paralelo a isso houve as inevitáveis discussões e questionamentos quanto ao planejamento da viagem: um grupo de oito ciclistas e com capacidades diferenciadas seria realmente capaz de fazer o percurso / tempo traçado? Todos, de um modo ou de outro, se implicaram nesse projeto e com este planejamento, mas por que não pensaram nessas importantes variáveis?! Faltou segurança para membros do grupo? Como se deu a liderança e tomadas de decisões? Tudo estava claro para todos no que diz respeito às dinâmicas dos pedais e dos possíveis desafios!? Há culpados ? Ou todos têm responsabilidades pelo processo da aventura!?
Estas e outras importantes questões perpassaram nas cabeças dos integrantes, sobretudo nesse dia. Embora não se tenha discutido abertamente com todos estas questões, havia um "clima no ar" - talvez pura sabedoria instintiva do grupo, por não ser ainda o momento de expor coletivamente a situação.
Ah! Mas certamente haverá tanto a conversar e mais ainda a ouvir. Sobre isso, algumas coisas fiquei a meditar, principalmente depois de uma caminhada que dei com Nilo em Rio Grande, quando saí com ele para pegar uns pesos argentinos no banco. Dizia Nilo, no seu jeito guru de ser, que, ao bater um papo com Arestides, lembrou do ex-psicanalista e criador da análise corporal, Wilhelm Reich, quando este falava do que era mesmo ser um grande homem. Um grande homem, para Reich, é justamente aquele que se reconhece pequeno, ou seja, que vê seus limites e suas dificuldades. Possivelmente Arestides não estava se sentido bem por não estar conosco e por se sentir, de algum modo, atrapalhando. Não sabe ele, eis algo que precisaria ser dito, que a simples tentativa de pedalar já inspirava todos (realmente fora de sentido e ingenuidade de todos supor que esse pedal ocorresse como fora imaginado nas condições postas para um grupo tão heterogêneo). Não é por menos que a frase mais ouvida no pedal foi: "Sr Arestides quando crescer quero ser igual ao senhor ".
Uma outra coisa que observei e que fiquei deveras impressionado foi com o cuidado e a fidelidade que Chico teve com Arestides. Chico poderia ter feito os trechos finais, mas preferiu acompanhar Sr Arestides em ônibus até Ushuaia. Para Chico, suponho, estar ao lado do amigo era mais importante, além do mais parece que ressignificou a viagem, ou seja, deu outros sentidos.
Diante disso tudo refleti no que cada um aprendeu ou pode aprender e o que leva de lição dessa viagem. E quando falo "dessa viagem" não estou me referindo apenas a viagem de bike, literalmente falando. A viagem, novamente nas palavras de Nilo, é também tudo que acontece no processo, as histórias que rolam, as relações, os dramas, as vivências... A viagem é viagem para outras viagens.
Oi, Celo! Tentei postar um comentário antes, mas falhou! Escrevo novamente...que massa!! Estou na viagem junto a você! Me transporto para todas as cenas que você descreve tão detalhadamente (espero que haja filmagens para registrar esses momentos únicos). Parabéns pela vontade e superação de obstáculos!! A vida tem que ser escrita assim!! Minha única preocupação é: vc vai se adaptar à sua rotina novamente? Depois de um contato tão forte com essa natureza gigante e consigo mesmo?? Torço pra que isso seja só um começo e que muitas viagens surjam daqui pra frente! Fica com Deus e "divirta-se" neste aprendizado!! Bj grande!
ResponderExcluirOlá prima,
ResponderExcluirPois é…foi uma grande maravilhosa odisséia…aventura…Obrigado por acampar e torcer para que tudo desse certo.
Realmente há adaptações… mas ao final, eu já estava com saudade de tudo.. E voltei valorizando mais as coisas que não me dava conta..coisas bem simples que não nos apercebemos… Por outro lado, sempre há a vontade de voltar!!!!! Mas isso é OUUUUTRA história! rsrsrs
Beijos,
Marcelo.