quinta-feira, 26 de março de 2015

O sexto dia de pedal

Acordamos bem cedo e ainda estava escuro (o dia clareava por volta das 7h). Tínhamos pela frente 150 km. A ideia era pedalar 45 km e chegar até Vila Tehuelches, comer alguma coisa, nos reabastecer de água e voltarmos à estrada.
Enquanto desarmávamos as barracas e preparávamos alguma coisinha para comer, ouvimos de Alex um monte de impropérios, seguido de risos. Será que Del havia aprontado alguma coisa com ele!? Não, desta vez Del era um anjinho, sentado em um banco, olhando para a cena e se pocando de dar risadas. 
Alex havia bebido urina em um copo que Rafaelo utilizara a noite (como faz muito frio a noite, quase todos usam algo para se aliviar e sem sair da barraca). Na verdade, Alex não imaginou que pudesse ter mijo no copo. E o pior é que antes de beber utilizou um pouquinho daquela "água" para fazer o café da rapaziada.
"Café" tomando, partimos na frente, Chico, Nilo e eu. Como os caras pedalam muito bem, nosso planejamento era adiantar o máximo e nos encontrarmos na Vila Tehuelches. Não teve nem graça, no meio do caminho fomos alcançados.
O pedal transcorreu tranquilo, só não pela chuva que pegamos no trecho final. A paisagem não era das mais bonitas, pois o que reinavam eram fazendas de ovelha com a mesma vegetação e relevo (vegetação rasteira e pequenas subidas e descidas).
Nessas estradas patagônicas o gostoso de pedalar é porque raramente passa carro, a estrada é muito boa e as paisagens são geralmente muito bonitas. Tudo isso torna ainda mais propício para as nossas meditações. 
Emparelhado com Nilo, este me falou que a onda do ciclismo é algo solitário. Penso que seja algo paradoxal, ou seja, o ciclismo é um esporte social, de grupo, de contato, mas também de introspecção, de mergulho em si. 
A experiência de pedalar, nessa dimensão mais solitária, nos proporciona pensar e refletir sobre um monte de coisas. Entretanto, chega um momento que os pensamentos cessam. Isto pode ser identificado como ascese da meditação. Somos levados, "mergulhamos em nós mesmos", flutuamos a um estado de paz, de dissolução do eu, onde o que impera é somente o ofegar, as próprias pedaladas, o zunido da bIke, a velocidade e a sensação de liberdade.
Chegamos na Vila Tehuelches por volta das 11h30. Como todos estavam muito cansados e restavam ainda 100km, resolvemos pegar um ônibus até Punta Arenas. 
Ao chegar nessa bela cidade (uma das maiores da região), reencontramos Arestides. Fizemos um pequeno tour pela city, resolvemos questões financeiras e fomos comer alguma coisa decente.
Durante o jantar conversamos sobre nossa viajem, propósitos e condições  do grupo. Uma parte do pessoal (Nilo, Chico, Paulo e Arestides) resolveu tentar pegar um ônibus até San Sebastian (Argentina) e uma outra parte (Del, Rafaelo, Alex e eu) optou por seguir de bike, atravessando o Estreito de Magalhães por balsa (como estava previsto). A ideia seria nos encontrar em San Sebastian.
Nessas nossas ponderações entendemos que estamos aqui, acima de tudo, para curtir. A bike para gente é prazer, amizade e elevação humana. Não estamos competindo e nem querendo mostrar nada para ninguém. Cada um tomou a decisão que melhor lhe coube, de maneira coletiva e respeitosa. Estamos felizes por estar aqui e, cada um a seu jeito, está levando dessa aventura iguarias fantásticas em termos de lembranças e aprendizagens. 







3 comentários:

  1. Curtindo muito esse diário! Força para a galera aí!!!

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  2. Estou acompanhando a odisseia de vocês. Muito show. Sobre a relação ciclista e bike, prefiro montar, pois tenho a ideia de que é única, inconfundível.
    Desejo menos vento contrário no caminho de vocês.

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