sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

No caminho havia cadeiras e mesas - porque ainda precisamos da razão

O projeto racionalista, que surge com a modernidade, aposta nos empreendimentos de razão imperial como capaz de iluminar o mundo e tirar o humano das trevas (daí a ideia do chamado “projeto iluminista). É nesse contexto que a escola (em seu conceito moderno e que conhecemos) aparece e por traz dela, todo o sentido de educação (a escola seria um dos equipamentos da educação). 

A educação, portanto, regida pelo racionalismo daria conta de uma nova ordenação social, instruindo, levando conhecimento, qualificando, edificando a humanidade... (é claro que há a sacada de Foucault a respeito da domesticação dos corpos através desse projeto moderno e como tudo isso estava atrelado a uma nova ordem mundial do capitalismo moderno).

Inúmeras críticas surgiram a respeito desse projeto racionalista, até porque fracassou sob vários aspectos (Freud, por exemplo, é um grande crítico da crença da razão como redentora da humanidade). Apesar das críticas, não sou adepto ao entendimento de uma ruptura total e um afastamento da razão. Coloco-me próximo as ideias de Morin (2005) quando este distingue razão de racionalismo.

Aqui, é absolutamente necessário distinguir razão e racionalização. Esta última é lógica fechada e desmentidora, que julga poder aplicar-se ao real; quando o real se recusa a aplicar-se a essa lógica, é negado ou então submetido a ferros para que obedeça: é o sistema do campo de concentração. A racionalização, apesar de desmentidora, tem os mesmos ingredientes que a razão. A única diferença é que a razão deve estar aberta e aceita, e reconhece, no universo, a presença do não racionalizável, ou seja, o desconhecido ou o mistério (p. 112). 

Para mim, isto significa que ainda necessitamos de escolas, de processos educativos em geral para trazer novas ordens a sociedade, para ajudar em novas organizações sociais. É claro que a razão norteadora e inspiradora de processos educativos deve estar em diálogo constante com outras dimensões humanas que escapem a própria razão.

No caso da educação no trânsito é inconteste a necessidade de lançar mão de dispositivos que reorganizem a sociedade, que conscientizem as pessoas, que criem novas culturas de respeito, de convivência, de mobilidade urbana, etc.

Em uma das minhas pedaladas, saí com o propósito de reparar a qualidade do trânsito, dos aspectos urbanísticos, do comportamento dos transeuntes, etc. Não cheguei nem na metade do meu parco percurso de 17 km e já havia colecionado uma série de situações que demonstram o quanto estamos mal educados. Só para citar algumas cenas: a) cadeiras e mesas de bar tomando parte da ciclovia da orla de Petrolina; b) reforma no acostamento que dá acesso ao quartel da Polícia Militar de Pernambuco (em Petrolina) sem espaço para os ciclistas; c) saindo da Praça da Catedral e virando a direita para a Orla, carros vindo na contra mão (mesmo sendo faixa dupla contínua separando os lados da pista; d) pedestres e outros ciclistas sem a mínima noção de direita e esquerda do fluxo nas ciclovias...

Em uma dessas situações não me contive. Foi justamente das cadeiras e mesas em parte da ciclovia (em um dos bares na Orla de Petrolina). Fiquei a pensar como abordar essa situação. Falaria diretamente com os caras na mesa? Partiria logo para ignorância? Tiraria fotos (estava com meu celular) de maneira a intimidar e demonstrar que iria fazer outros tipos de denúncias? Falaria com o proprietário do bar?

Daí lembrei de alguns colegas meus da Universidade. Colegas do Sul, Sudeste e mesmo de capitais nordestinas. Lembrei que se fossem eles já estariam brigando, indignados.  Passei a pensar sobre isso. Refleti que eles se indignam porque da onde vêm, esse tipo de coisa é inadmissível. Porém, na nossa região, estamos aquém desse nível de compreensão (diria consciência). A razão, nesse caso, de agir duramente (até punitivamente) não me pareceu eficaz. Há de se compreender o nível que nos encontramos. Entretanto, não significa uma inação ou permissividade (tão nocivo quanto a punição, neste caso). Resolvi procurar o dono do bar e falei que não era correto aquelas cadeiras e mesas na parte da ciclovia. O dono do bar me pareceu sincero em sua resposta. Concordou, sorriu sem graça e acenou com a cabeça.  

Não sei o que aconteceu depois, mas penso que esta situação exemplifica o quanto precisamos dos processos educativos, inspirados pela razão, mas em diálogo com outras dimensões.

Referência
MORIN, Edgar. Ciência com consciência Rio de Janeiro: Bertrand, 2005. 


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